Mesmo após chuvas, o estado somou 635 focos de incêndio até o dia 09 de outubro, aponta o “Programa Queimadas”, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Incêndio em Rondônia
Secom/Divulgação
Entre janeiro e 09 de outubro deste ano, Rondônia registrou 9.979 focos de incêndios, de acordo com dados do “Programa Queimadas” do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Um aumento de mais de 34% em relação ao ano todo de 2023, quando 7.417 focos foram registrados.
Dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) indicam que a última chuva significativa observada no estado foi no dia 08 de outubro, na região central do Norte do estado, com acumulados em torno de 25 a 30mm/h. Apesar disso, o cenário crítico de queimadas ainda é uma realidade no estado.
Somente nos primeiros nove dias de outubro foram 635 focos registrados pelo Inpe. Esse número é maior do que o registrado nos seis primeiros meses deste ano, quando juntos somaram 465 focos de incêndio. No cenário nacional, Rondônia ocupa a oitava posição entre os estados com maior número de focos de queimadas do país em 2024.
Fumaça e os prejuízos à saúde
Quem tem problemas respiratórios sofre ainda mais com tudo isso. É o caso da Isabelly Oliveira, ela tem 23 anos e foi diagnosticada com asma 5 anos atrás. Diante da cortina de fumaça que cobriu o céu do estado, ela sentiu de perto os impactos.
“Me impactou muito nas atividades do dia a dia, como sair de casa para ir trabalhar, academia e jogar basquete. Coisas que antes eram ‘normais’ me deixavam mais cansada com dor de cabeça e ardência nos olhos. Era difícil até para dirigir, como eu tenho asma tive que fazer mais uso da bombinha e inalação pelo menos três vezes ao dia, além de incluir umidificador nos lugares onde fico mais tempo, como o trabalho e em casa”, relatou.
A dona Maria do Perpetuo Socorro Santana de Castro, de 66 anos de idade, teve que voltar a um hábito antigo, muito comum no tempo da pandemia de Covid-19: a máscara.
“Deixei de ir aos meus compromissos na igreja, passeios com a família e atividades ao ar livre. E quando tinha que sair usava máscara para me proteger. Tenho bronquite asmática e com a fumaça minha saúde agravou, tive sangramento no nariz e cheguei até a ficar internada”, conta.
De acordo com o Ministério da Saúde, a fumaça das queimadas contém gases tóxicos e partículas de fuligem que podem causar diversas doenças respiratórias e pulmonares. A médica pneumologista, Ana Carolina Terra, explica como a exposição à fumaça pode ser tóxica para a saúde, principalmente para os mais vulneráveis como idosos, crianças e pessoas com problemas respiratórios.
“Estamos falando de liberação de monóxido de carbono e outros diversos compostos químicos que ficam suspensos no ar, o que pode causar uma série de enfermidades. Quem já tem doenças cardiopulmonares e pulmonares, como rinite, sinusite, bronquite, asma, entre outras, deve redobrar o cuidado. Para evitar complicações alguns cuidados incluem umidificar o ar, evitar a exposição a fumaça, hidratação, além do uso de máscara quando estiver em exposição, isso pode colaborar diretamente na melhor qualidade do ar e saúde respiratória”.
Outros impactos
Se para os seres humanos as sequelas são grandes, para os animais a situação não é diferente. Em meio às queimadas eles fogem em busca sobreviver, mas muitos não conseguem. Dados do monitoramento do Corpo de Bombeiros Militar de Rondônia, entre junho, quando os focos de queimadas foram intensificados no estado, até o dia 08 de outubro, apontam que ao menos 423 animais foram mortos em meio a incêndios florestais. O biólogo, Flávio Terassini fala sobre o impacto das queimadas para a biodiversidade.
“Imagine a quantidade de insetos, aves, mamíferos, herbívoros, enfim, a infinidade de animais que acabam sendo prejudicados durante os incêndios florestais que acabam morrendo. A gente acompanha como essa frequência das queimadas está cada vez mais se prolongando, isso tende a ter uma perda maior, com isso infelizmente a gente tem espécies deixando de existir”, afirma o biólogo.
Animais afetados por incêndios
Reprodução
As queimadas também afetam diretamente a agropecuária, reduzindo a oferta de alimentos como carne, grãos e derivados. A saca de açúcar, por exemplo, sofreu uma queda significativa de produção devido à queima de plantações de cana.
De acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os preços já estão subindo: o leite aumentou até 32,1% entre julho e agosto, o café subiu 4,02% e a carne bovina também foi impactada pelas queimadas. Veja:
Arroz: +30,13%
Tomate: +19,58%
Alface: +15,51%
Ovo: -8,09%
Batata: +69,90%
Carnes: +2,84%
Linguiça: -1,43%
Feijão: -17,45%
Leite: +32,1%
Mamão: +17,58%
Banana: +11,37%
Queijo: +5,41%
Café: +4,02%
Açúcar: +3,70%
Carnes: +2,84%
O economista, Otacílio Moreira Carvalho, explica que em Rondônia houve redução de estimativa da produção na safra 2024, estimada em 2,5 milhões de sacas, 16,4% menor do que a obtida na safra de 2023.
“Isso se dá pela mudanças da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), na metodologia de apuração da área plantada com café, devido ao ajuste nas estimativas de área total, em razão do trabalho de mapeamento do parque cafeeiro que a referida instituição vem fazendo no estado. Mas cabe destacar que condições climáticas desfavoráveis também contribuíram para essa queda na produção. Como a safra é de um ano para o outro, em razão da forte estiagem que passa o estado e o país, o grande problema será para a safra 2024/2025, onde está ocorrendo um atraso no plantio de grãos, em especial a soja, e isso poderá trazer queda na produção em 2025 ”, disse.
O que está sendo feito?
Para enfrentar, monitorar e prevenir os incêndios criminosos no estado, o Ministério Público de Rondônia (MPRO) deflagrou a Operação Temporã, um movimento que visa combater crimes ambientais em áreas de reserva como o parque estadual Guajará-Mirim e a Estação Ecológica Soldado da Borracha e em outras regiões do estado tomadas pelo fogo.
A Operação foi deliberada pela Força Tarefa de Combate aos Incêndios Florestais, criada para atender uma solicitação do MPRO, após reuniões com diversas instituições ambientais e forças de segurança do estado.
A missão é composta por agentes do Ibama, Polícia Federal, Polícia Militar, Polícia Militar Ambiental, Comando de Fronteira do Exército, Secretaria de Desenvolvimento Ambiental, Polícia Civil, Corpo de Bombeiros Militar e Politec com o apoio de mais de 300 agentes.
Através dos canais de denúncias do MPRO como o Balcão Virtual ou ligando para o número 127, a população pode contribuir para reduzir os crimes ambientais.
Operação Temporã
MP-RO
De acordo com o promotor de justiça do MPRO e coordenador do grupo de atuação especial do meio ambiente, o Gaema, Pablo Hernandez Viscardi, o principal objetivo é atuar com medidas preventivas para que este cenário não se repita nos próximos anos.
“Desde o começo de agosto, quando a gente detectou que os focos de incêndio aumentaram significamente no estado de Rondônia, nós percebemos que até então todo o planejamento que tinha sido produzido estava sendo insuficiente por conta da situação extrema que estávamos vivenciando. Foi aí que surgiu, junto aos demais órgãos de combate à queimadas e incêndios, a força-tarefa chamada Operação Temporã. Creio que agora há de fato uma política pública de combate, embora tardia, mas que existiu e que sirva de lição para que no ano que vem a gente comece a planejar e executar as ações desde fevereiro. Principalmente, para que a gente previna o início dos focos de incêndio, a nossa atuação precisa ser preventiva e é para isso que o MPRO vai lutar ano que vem, uma atuação efetiva preventiva”, destacou.
Outras ações de combate
Combate a queimadas em Rondônia
Secom/ Divulgação
No final do mês de agosto, o Governo do Estado decretou a suspensão do uso do fogo para combater queimadas. O Decreto nº 29.428 afirma a suspensão do uso do fogo em todo o estado por um período de 90 dias. Além disso, a contratação de mais 126 brigadistas temporários foi incluída nas ações.
O combate aos incêndios florestais também foi reforçado com dois aviões Air Tractor, cada aeronave possui capacidade de 2 mil litros de água e suporte de quatro lançamentos por hora em uma distância de até 80 quilômetros. Com um total de 800 horas contratadas, as novas aeronaves já estão atuando para a diminuição dos danos causados pelos incêndios florestais criminosos em Rondônia.
Durante este período crítico, o céu azul de Rondônia foi ‘apagado’ pelo cinza das fumaças. Confira algumas imagens de antes x depois em pontos da cidade de Porto Velho, capital de Rondônia
G1 Rondônia