A família de origem iraquiana tinha pedido asilo em vários países da Europa, mas afirma que o pedido foi negado. Sara, de 7 anos, sufocou quando foi esmagada no barco em que tentava atravessar da França para o Reino Unido.
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Em pé na praia, Ahmed Alhashimi grita para as ondas que vão e vêm, batendo no peito, cedendo à dor, à raiva e à culpa, que não vão embora. “Não consegui protegê-la. Nunca vou me perdoar. Mas o mar era a única opção que eu tinha”, soluça.
A família iraquiana tentava ir da França para o Reino Unido.
Na semana anterior, de madrugada, naquele mesmo trecho do litoral da França a sul de Calais, o homem de 41 anos estava espremido dentro de um barco inflável gritando por socorro. Ele implorava às pessoas que abrissem espaço para ele abaixar e resgatar sua filha Sara, de 7 anos, que estava sendo esmagada em uma escuridão sufocante.
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“Eu só queria que aquele homem se movesse para que eu pudesse pegar meu bebê”, explica Ahmed.
Ele se refere a um jovem sudanês que fazia parte de um grupo maior que embarcou na última hora, quando o barco já estava longe da costa. O homem o ignorou, e depois o ameaçou, diz.
“Isso foi como a própria morte. Vimos pessoas morrerem. Vi como aqueles homens se comportavam. Eles não se importavam em quem pisassem, se fosse uma criança ou a cabeça de alguém, jovem ou velho. As pessoas começaram a sufocar”, diz Ahmed com rancor.
Embora Ahmed seja iraquiano, a sua filha nem sequer conhecia o país. Ela nasceu na Bélgica e passou a maior parte de sua curta vida na Suécia. No total, cinco pessoas morreram no mesmo incidente.
Ahmed e a sua família tentaram durante muitos anos morar na União Europeia, mas não conseguiram.
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Eu estava na praia na época com uma equipe da BBC e vi o caos enquanto os contrabandistas, escoltando seus passageiros pela praia em direção a um pequeno barco, usavam fogos de artifício e empunhavam paus para afastar um grupo de policiais franceses que tentou, sem sucesso, impedir o embarque do grupo.
‘Ajuda!’
O barco inflável no Canal da Mancha, entre a França e o Reino Unido.
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Enquanto o barco avançava rumo ao mar, ouvimos alguém gritando a bordo. Mas na escuridão da madrugada era impossível saber o que estava acontecendo.
De madrugada, a polícia já estava deixando o litoral juntamente com um suposto traficante e alguns dos migrantes que não conseguiram embarcar. Ahmed confirmou mais tarde que era ele mesmo o homem que ouvimos gritar por ajuda, implorando desesperadamente às pessoas ao seu redor para salvar a vida de Sara.
A esposa de Ahmed, Nour AlSaeed, e seus outros dois filhos, Rahaf, de 13 anos, e Hussam, de 8, também ficaram presos entre as pessoas, mas conseguiram respirar.
“Sou um trabalhador da construção civil. Sou forte. Mas nem eu consegui tirar a perna, presa no meio da multidão. Não admira que a minha filha também não tenha conseguido. Ela estava sob os nossos pés”, diz Ahmed.
Quarta tentativa
Sara (à direita) com seu irmão Hussam e sua irmã Rahaf. A família já havia tentado cruzar o Canal da Mancha três vezes.
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Essa foi a quarta tentativa da família de atravessar da França para o Reino Unido desde que chegou à região, há dois meses. A polícia os impediu duas vezes na praia, enquanto tentavam acompanhar o resto dos migrantes que corriam em direção ao barco de um contrabandista.
Ahmed diz que desta vez os traficantes — que cobravam US$ 1,6 mil (cerca de R$ 9 mil) por adulto e metade desse valor por cada criança — tinham prometido que apenas 40 pessoas embarcariam no seu barco, mas outro grupo de migrantes apareceu na praia e insistiu em embarcar.
Sara estava calma no início. Ela segurava a mão do pai enquanto saíam da estação ferroviária de Wimereux na tarde anterior. Durante a noite, eles se esconderam em algumas dunas ao norte da cidade.
Pouco antes das 6h da manhã, o grupo já havia inflado o barco. Os traficantes deram a ordem para que os migrantes levassem o barco para a praia e corressem com ele em direção ao mar antes que a polícia os interceptasse.
Ahmed diz que de repente uma bomba de gás lacrimogêneo da polícia explodiu perto deles e Sara começou a gritar. Assim que embarcaram, Ahmed segurou Sara nos ombros por cerca de um minuto, mas depois a colocou no chão para ajudar sua outra filha, Rahaf, a embarcar.
Foi quando ele perdeu Sara de vista.
Só depois, quando as equipes de resgate francesas os interceptaram no mar e desembarcaram algumas das mais de 100 pessoas amontoadas no barco, Ahmed finalmente conseguiu alcançar o corpo da sua filha.
“Vi a cabeça dela no canto do barco. Estava toda azul. Ela já estava morta quando a tiramos. Ela não respirava”, explica, entre soluços.
Agora as autoridades francesas estão cuidando da família enquanto esperam para enterrar o corpo de Sara.
‘A única opção que tínhamos’
O último desenho que Sara fez de sua família antes da quarta tentativa de chegar à Inglaterra.
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Ahmed diz estar ciente das fortes críticas que tem recebido nas redes sociais por parte de pessoas que o acusam de colocar a sua família em riscos desnecessários. Ele parece estar dividido entre aceitar e rejeitar essas acusações.
“Nunca vou me perdoar. Mas o mar era a única opção que eu tinha. Tudo o que aconteceu foi contra a minha vontade. Fiquei sem opções. As pessoas me culpam e dizem: ‘Como você colocou suas filhas em risco?’ Mas estou na Europa há 14 anos e fui rejeitado”, diz Ahmed, detalhando anos de tentativas fracassadas de garantir a residência na União Europeia depois de fugir do Iraque após alegar ter recebido ameaças de grupos de milícias.
A Bélgica aparentemente negou asilo alegando que Basra, a sua cidade natal no Iraque, era classificada como zona segura.
Ele diz que os seus filhos passaram os últimos sete anos com um parente na Suécia, mas foi recentemente informado de que seriam deportados, juntamente com ele, para o Iraque.
“Se eu soubesse que havia 1% de probabilidade de ficar com as crianças na Bélgica, na França, na Suécia ou na Finlândia, ficaria lá. A única coisa que queria para os meus filhos é que eles frequentassem a escola. Não quero qualquer tipo de assistência social. Minha esposa e eu podemos trabalhar. Eu só queria protegê-los, sua infância e sua dignidade”, continua ele.
“Se as pessoas estivessem no meu lugar, o que fariam? Aqueles que (me criticam) não sofreram o que eu sofri. Esta foi a minha última opção”, afirma, apelando ao governo britânico por solidariedade e apoio.
Eva Jonsson, professora de Sara em Uddevalla, na Suécia, descreve a menina como “gentil e boa” em uma mensagem de vídeo enviada à BBC.
“Ela tinha muitos amigos na escola. Eles brincavam juntos o tempo todo… Em fevereiro, descobrimos que iriam deportá-la e que seria rápido. Eles nos avisaram com dois dias de antecedência”, explica.
Ao saber de sua morte, a turma se reuniu em círculo e fez um minuto de silêncio.
“É muito lamentável que isso aconteça com uma família tão simpática. Já ensinei (outras) crianças desta família e fiquei muito surpresa com a deportação”, afirma a professora.
“Ainda temos a foto da Sara na sala de aula e vamos mantê-la aqui durante o tempo que as crianças quiserem.”
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