G1 conta histórias de três mulheres que buscam diariamente a construção de uma sociedade que acolha seus filhos. Mães enfrentam uma série de desafios únicos e têm histórias de coragem e superação para compartilhar. Mães atípicas de Rondônia e seus filhos
Arquivo Pessoal
Ser mãe é uma experiência desafiadora e quando se trata de mães de crianças atípicas, os desafios podem ser ainda maiores. O g1 conta histórias de três mulheres que buscam diariamente a construção de uma sociedade que acolha seus filhos.
Nesse texto você vai conhecer as histórias de:
Ingrid Braz: policial e mãe de Sthefany Aparecida, ela fez um “movimento” para garantir adequação de horário de trabalho para policiais e bombeiros militares;
Eliane Guatel: mãe de Maria Eduarda, austista nível de suporte. A mulher relata sobre os desafios de conseguir uma boa educação para a filha;
Milene Barreto: mãe do Miguel Barreto de 6 anos, autista nível de suporte.
‘Esconder nossas necessidades não é solução’
Ingrid Braz tem 41 anos e é Policial Militar, além de ser mãe de Sthefany Aparecida, que tem Paralisia Cerebral. Uma das maiores dificuldades da maternidade de Ingrid foi conciliar a rotina de trabalho com a rotina de mãe.
Ingrid (mãe, à esquerda) e Sthefany (filha, à direita).
Ingrid/Arquivo Pessoal
“Existe uma lei de adequação de escala no serviço público para pais de pessoas com algum tipo de deficiência, e isso não se enquadrava na legislação da PM. Foram praticamente 7 anos tentando conseguir”, relata
A lei 13.370, que foi criada em 2016, garante um horário especial ao servidor público federal com cônjuge, filho ou dependente com deficiência e também defende a existência de uma escala diferenciada ao servidor portador de deficiência.
Quando percebeu que sua profissão não era “beneficiada” pela lei, Ingrid começou um “movimento” para garantir o direito. Em 2022, ela e um grupo de policiais de pais e mães atípicos finalmente conseguiram fazer com que a lei fosse “expandida” para as categorias de policiais e bombeiros militares.
“Aprendi que não importa o que a sociedade diga, esconder nossas necessidades não é solução. Cruzar os braços nos torna meros espectadores, mas quando temos uma vida em nossas mãos, somos motivados a buscar o inalcançável”, incentiva.
‘Entendi que sou uma mãe de excelência’
Essas mães lutam para equilibrar as demandas emocionais, físicas e sociais que acompanham a criação de seus filhos em um mundo onde a maternidade é, muitas vezes, associada a um conjunto de normas rígidas, essas mulheres abrem caminho para uma nova narrativa de criação de filhos.
Vemos isso através da vida de Eliane Guatel. Com 37 anos de idade, ela cuida do lar, é empreendedora e mãe de Maria Eduarda, autista nível de suporte 3. Para as duas, os desafios começam pelo diagnóstico e atendimentos na rede pública de educação e saúde.
“Essa questão educacional é um verdadeiro sofrimento, principalmente na questão de professores mediadores que não temos, para conseguir é uma luta, às vezes a gente até desiste”, conta.
Eliane Guatel (mãe, à direita) e Maria Eduarda (filha, à esquerda).
Eliane Guatel/Arquivo Pessoal
Eliane conta com o apoio do esposo e da mãe, além de amigas que também são mães atípicas. Mas apesar da rede de apoio, ainda se vê em situações desconfortáveis e dolorosas.
“Fico triste quando acontece essas situações: olhares tortos, quando me culpam diante dos desafios. Entendi que sou uma mãe de excelência, sempre dei o meu melhor e sei do meu comprometimento diante de tudo, isso faz com que eu me blinde desses julgamentos”, comentou.
‘Tenho que fazer todas essas funções’
Milene Barreto é servidora pública estadual e mãe do Miguel Barreto de 6 anos, autista nível de suporte 3. Ela tenta dividir a vida entre trabalhar e cuidar dos dois filhos.
“A maternidade atípica, ela tem essa dificuldade, a gente já dispensa um esforço, uma energia enorme para poder cuidar das crianças. Por eu ter que exercer as outras funções, que seriam do poder público, do pai, da escola, eu tenho que fazer todas essas funções e acabo me desgastando demais”, desabafa.
Milene (mãe) e Miguel (filho)
Milene/Arquivo Pessoal
Os desafios de Milene são semelhantes aos de outras mães atípicas, como conseguir uma educação de qualidade e com cuidadores suficientes para as crianças.
“Ele frequentou ano passado [uma escola] e ele ficou numa sala com 26 alunos, sendo 6 crianças com laudo e um professor auxiliar para as 6 crianças. Era bem difícil mesmo para ele poder ter o estímulo que ele precisava”, relembra.
Para conseguir acompanhar o filho, Milene foi trabalhar no colégio do filho e se tornou a cuidadora dele.
“Essa foi a forma que eu encontrei para poder ajudar meu filho, porque ele vai para o primeiro ano do ensino fundamental e ele nunca teve um cuidador, nunca teve um professor auxiliar”, desabafa.
“Eles têm direito à escola, têm direito a estudar, têm direito à saúde, mas acaba não tendo. Quando a gente consegue pagar alguma coisa, tudo bem, mas quando não consegue, sofre. Eu sou integrante de um grupo que tem mais de 500 famílias, e lá as mães sofrem muito mesmo”, completa.
Abordando a diversidade
O termo “atípico” reconhece que cada criança é única e pode apresentar uma ampla gama de características e necessidades. Crianças atípicas são reconhecidas como tendo características distintas que as diferenciam da norma, em termos de habilidades, desafios, temperamento ou estilo de aprendizado.
Os atípicos são pessoas diagnosticadas com:
TEA (Transtorno do Espectro Autista),
TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade),
Síndrome de Tourette (distúrbio do sistema nervoso que envolve movimentos repetitivos ou sons indesejados),
Dislexia (distúrbio de aprendizagem pela dificuldade de leitura), entre outros.
Dentro da psicologia, uma criança diagnosticada como incomum requer um procedimento de educação um pouco mais intenso, segundo a psicóloga Brenda Sabrina, pós graduada em saúde mental. Além disso, a psicóloga alerta alguns mitos e equívocos enfrentados pelas famílias atípicas.
“É importante entendermos que uma criança atípica são crianças em constante evolução. Há ainda alguns questionamentos sobre a família mimar demais a criança e que isso atrapalha ou resultaria do diagnóstico. Isso é mito. Crianças atípicas nascem atípicas, a educação fomenta o processo de evolução e desenvolvimento”.
Ela explica que as maiores dificuldades de famílias atípicas são julgamentos e estigma social. Infelizmente, existem equívocos e estereótipos sobre as crianças atípicas e suas famílias, o que pode levar a comentários insensíveis e falta de compreensão.
As crianças dentro de suas especificidades, possuem diversos comportamentos/situações que podem ocasionar crises: sensibilidade a sons, texturas, cores e outros.
“Mães atípicas frequentemente enfrentam olhares de reprovação ou são questionadas sobre sua capacidade de educar e cuidar de seus filhos. Oferecer um espaço seguro para que possam compartilhar suas experiências, buscar apoio profissional, se conectar e com outras mães em situações semelhantes pode fazer a diferença”, aconselha.
*Estagiário sob supervisão de Jaíne Quele Cruz
G1 Rondônia