Grande comparecimento eleitoral — o maior em mais de 40 anos — permitiu um resultado surpreendente no segundo turno da votação para o novo Parlamento francês, diz o correspondente em Paris Hugh Schofield. Os franceses rejeitaram mais uma vez a chegada da direita radical ao poder.
Apesar dos resultados expressivos das forças direitistas na votação para o Parlamento europeu e no próprio primeiro turno dessa eleição para o legislativo nacional, na hora da definição a população francesa recuou — algo que já havia acontecido em eleições presidenciais no país.
A derrota surpreendente deixou o partido Reunião Nacional, de Marine Le Pen, como a terceira força mais votada na Assembleia Nacional.
As previsões de uma semana atrás, de alcançar 300 cadeiras no parlamento diminuíram para algo na faixa de 150. E isso aconteceu porque os franceses apareceram em grande número nas seções de votação — o maior comparecimento em mais de 40 anos.
Jordan Bardella, protegido de Marine Le Pen e que era cotado para ser o novo primeiro-ministro francês em caso de uma vitória do RN, declarou que a aliança “não natural” e “desonrosa” entre esquerdistas e a coligação de Macron impediu a vitória de seu partido.
Bardella se refere à aliança entre partidos de esquerda que deixaram suas diferenças para formar uma coligação anti-RN.
Os vários blocos políticos de tendências diversas de esquerda, superou a distância que os separa do bloco do presidente Emmanuel Macron para chegar ao surpreendente resultado no segundo turno das eleições legislativas.
Políticos da direita radical observam que nada, a não ser a oposição ao RN, une os políticos dessa aliança, que vai de Edouard Philippe, na centro-direita, a Philippe Poutou, da esquerda trotskista. E que essa falta de entendimento é um mau presságio para o futuro.
De qualquer forma, as urnas mostraram que a maioria dos franceses não quis a direita radical — seja porque se opõem às suas ideias, seja porque temem a agitação que inevitavelmente acompanharia a sua chegada ao poder.
Mas se Jordan Bardella não será o próximo primeiro-ministro do país, quem será?
Essa é a grande incógnita. E, contrariamente à convenção que se seguiu às eleições parlamentares francesas anteriores, poderá demorar semanas até termos uma resposta.
Porque algo aconteceu nessas semanas tensas, algo que mudou a própria natureza do sistema político francês.
Como disse o proeminente analista político Alain Duhamel — veterano em todas as eleições desde Charles de Gaulle: “Hoje já não existe nenhum partido dominante. Desde que Macron chegou ao poder, há sete anos, temos estado num período de desconstrução das nossas forças políticas”.
“Talvez agora estejamos iniciando um período de reconstrução.”
O que ele quer dizer é que existe agora uma multiplicidade de forças políticas: três grandes blocos (esquerda radical, direita radical e centro), mais o centro-direita. E dentro deles existem tendências e partidos concorrentes.
Sem nenhum partido capaz de obter a maioria na Assembleia Nacional, é agora inevitável um longo período de negociações que possa formar uma nova coalizão que vá do centro-direita até a esquerda.
Nada indica como isso acontecerá. Os diferentes componentes politicos dessa possível aliança expressam uma aversão mútua até o momento.
Mas é possível apostar que Macron irá apelar para um período de conciliação após as tensões das últimas semanas.
Convenientemente, este período vai durar até a Olimpíada de Paris e as férias de verão, permitindo que os franceses recuperem o ânimo.
Nesse meio-tempo, Macron designará alguém para liderar as negociações e juntar as diferentes partes. Será alguém da esquerda? Será alguém do centro? Será um político de fora desse bloco? Não sabemos.
O que parece certo é que a França está prestes a entrar num sistema mais “parlamentarista”.
Macron e o futuro primeiro-ministro terão menos poder nessa nova fase.
Mesmo que o presidente consiga colocar um centrista no cargo de premiê (o que não é nada fácil, dada a força demonstrada pela esquerda), essa pessoa exercerá o poder por direito próprio e com base no apoio parlamentar.
Macron — sem perspectivas de concorrer novamente em 2027, quando acaba seu mandato — será uma figura menor.
Então o presidente perdeu a aposta? Estará ele arrependido da sua pressa em antecipar as eleições? Ele está pronto para dar um passo atrás?
Podemos ter a certeza de que não é assim que Macron vê as coisas. Ele dirá que sua decisão foi tomada porque a situação era insustentável.
Possivelmente, ele dirá também que deixou as coisas mais claras na política francesa ao dar a chance para o RN obter uma parcela maior das cadeiras na Assembleia para refletir o apoio do partido no país.
E pode ainda sustentar que sua arriscada aposta de que os franceses nunca colocariam a direita radical no poder estava correta.
O poder de Macron pode estar em declínio. Mas, por enquanto, ele segue no Palácio do Eliseu, consultando a sua equipe, estimulando os políticos, ainda dominando o relógio político.
G1 mundo